domingo, dezembro 26, 2010

minueto: a "música do respeito"

Tema recorrente em algumas conversas interessantes recentes, estou já há algum tempo para compartilhar o pouco que sei sobre minuetos. Minueto é um verbete exclusivo do jargão musical. Acredita-se que sua etmologia esteja relacionada aos pas menus, ou seja "passos diminutos" com os quais é dançado. Escrita em compasso 3/4, consiste de uma dança elegante e graciosa de origem francesa: uma dança da sociedade por excelência, com etiqueta coreográfica própria, exigindo equilíbrio, controle e graça.

Incluída numa ópera de Jean-Baptiste Lully em 1673, rapidamente ganhou a corte de Luis XIV, e com ela a sociedade europeia, chegando a se tornar a rainha das danças nos palácios e palcos, do barroco a fins do século XIX.

Como forma de dança, é essencialmente cortesã como foram as também barrocas giga e sarabanda. Do ponto de vista musical, sua importância histórica advém do fato de ter sido a única forma usada não apenas nas suítes do barroco, mas em sinfonias e outras grandes obras instrumentais. Adorada pela nobreza afeita ao mecenato, tornou-se hábito entre os compositores da música de concerto da época, incluir minuetos em suas sinfonias e peças da música de câmara.

Entre os grandes nomes, Haydn foi o primeiro a usá-lo numa sinfonia. Em suas sonatas, o minueto passou a substituir o movimento mais lento. Ao contrário do costume da época, Haydn os compôs em andamento mais rápido - numa espécie de antecipação a Beethoven, que mais tarde veio a transformar o minueto em scherzo: um minueto do ponto de vista formal porém com andamento ainda mais rápido. Assim como Haydn, também Mozart fez amplo uso do minueto em seus concertos - repletos da suavidade e graça peculiares de sua escrita musical.

Com a Sala dos Espelhos do Palácio de Versalhes em mente, não é difícil imaginar a entrada leve dos pares de nobres, fazendo reverências mútuas e ao rei, numa expressão máxima do esplendor cerimonial da corte, através da graça, solenidade e expressão dos sorrisos. Com esta imagem fica fácil entender o porquê do minueto ser chamado "música do respeito" - a música das pessoas que "se sent", nas palavras do filósofo Saint-Simon, numa alusão à respeitabilidade do que se é.

Enquanto "música do respeito" encontrou em Luis XIV - o rei sol, patrono das artes e ele próprio tido como excelente bailarino - um admirador devotado. Uma ótima oportunidade para conferir esta relação é assistir ao filme Le Rois Danse (França, 2000, dirigido por Gérard Corbiau). Um extrato de 3 trechos de dança do filme pode ser conferido no youtube.

A lista de belas composições em forma de minueto é longa, mas qualquer que seja a seleção, na minha modesta opinião algumas peças não podem faltar:
  • o Minueto do Concerto de Brandenburgo No. 1, de Johann Sebastian Bach, publicado em 1718
  • o Minueto do Quinteto de Cordas Op. 13, Nr 5, G. 275, de Luigi Boccherini ,publicado em 1775 - este considerado por muitos "o" minueto dos minuetos
  • os Minuetos erroneamente atribuídos a Johann Sebastian Bach com índices BWV 113 a 116. Registrados para a posteridade no Notenbüchlein für Anna Magdalena Bach são respectivamente: 113 e 116 de autor desconhecido; 114 e 115 de Christian Petzold
  • dentre as muitas joias escritas na forma de minueto por Franz Joseph Haydn, o da Sinfonia Nr 100 em G maior, "Militar", publicada em 1793
  • o terceiro movimento da Serenata em G maior, K. 525 "Eine kleine Nachtmusik", e o terceiro movimento da Sinfonia dos Brinquedos, ambos de Wolfgang Amadeus Mozart
  • o Minueto em G maior, Op. 10, Nr 2, de Ludwig van Beethoven
  • o Minueto da Sonata para violão em C maior, Op. 22, Nr 3, de Fernando Sor (minha favorita na interpretação do inglês Julian Bream)
E para fechar, compartilho aqui minha seleção de minuetos, como petit cadeau de Natal... para apreciar sem moderação! :)

2 comentários:

FanaticoUm disse...

Muito obrigado por este seu interessante texto.
E votos de um excelente ano de 2011!

Bruno Schroeder disse...

O artigo está fantástico! Parabéns. A playlist em anexo, que ainda não ouvi, é um excelente presente de Natal para todos os que te lêem.

Fiquei realmente impressionado com a qualidade do teu artigo e com quanto aprendi com ele. Estou até com vergonha de não ler o teu blog – essa é fácil de contornar. E Tb envergonhado porque leio tão pouco. Leio ainda menos sobre música, e deveria.. Já que fui criado dentro do Municipal, isto tem que servir como facilitador do estudo de música.

O problema grande é que nós da província lemos pouco. Ficamos o tempo inteiro no bar, bebendo e conversando; e isto não dá tempo à leitura e à reflexão. Fala-se demais..

Eu não fazia idéia de que tinha minueto em tudo quanto é composição. Imagino se realmente foram dançados os de Haydn. Gostei demais de ler você falando de Versailles, da Sala dos Espelhos, e citando Saint-Simon.

O Saint Simon é um capítulo a parte não é? Eu costumo tentar ler uma compilação em apenas um volume das memórias dele. Evidentemente fico elevado pelo ambiente de corte do Ancien Régime. Mas sabe que as intrigas constantes que ele conta, e sua natureza, dificultam a leitura para mim... É possível que a seleção da edição que tenho não seja boa – 1944 José Olympo + Revista dos Tribunais.

O filme de Gérard Corbiau não me agradou. Achei a estética um pouco de aristocracia britânica e não francesa, um pouco cheia de crueldades. E a fotografia também não me agradou – um pouco escura, sombria, mesmo ao ar livre. Mais ainda, os trechos do link do youtube mostram umas danças que, se aconteceram ou não, não são de pares. Na minha imaginação, minueto se dança aos pares e lentamente. Já vi isto em algum filme, qual será...

Eu sempre vi o minueto como uma música racional e lógica. A evolução dos passos de dança e dos tempos parece-me uma demonstração. Hipótese A, hipótese B, conclusão, hipótese C, conclusão... Ou a dialética cartesiana – tese, antítese, síntese, antítese, síntese, antítese..

Não sei se é isto, se o andamento é este. Todo o barroco parece-me extremamente racional... Talvez até jesuítico. Com certeza, pós Concílio de Trento.

O mais interessante sobre o Ancien Régime é a crise do homem civilizado no período. Aqueles nobres, descendentes de cruzados, todos eles pertencentes a ordens de cavalaria. Cavaleiros, nobres, militares! A guerra era seu habitat. Constantemente iam a campo para batalhas, e demonstravam bravura férrea nas cargas, nos movimentos dos exércitos, nos momentos cruciais.

Mas estes homens já não eram mais seus antepassados templários, ou ainda bárbaros recém convertidos como Carlos Magno... Eram homens refinados e ricos. Recebiam o fardo do luxo, o dever de elevação de toda a pátria. Desenvolveram a sensibilidade e o gosto pelas artes. Se fosse um refinamento equilibrado pela rudeza da guerra e da vida com o povinho, estaria bem.

O problema foi o absolutismo e cortes isoladas como versailles. O gosto do gozo da vida, os divertimentos lícitos, depois os ilícitos. Com isto veio a afetação, a escravização pela moda... Os cavaleiros, não deixaram de ser cavaleiros. Mas com suas perucas e maquiagem, tornaram-se também bailarinos.

Homens que mostravam bravura nas batalhas e delicadeza na corte. De tanta contradição, ficaram podres por dentro. E foi um momento histórico, quando quatro gerações depois, em Luis XVI, vemos o bailarino vencendo o cavaleiro.

E você pensava que a melancolia da província vinha só das saudades de D. Pedro II... Pois bem... Luis XIV foi absolutista... Mas ele tinha estofo para isto, não é?

Big Beijo,

Bruno